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Pele aberta


Eu já senti frio, um frio que cortava como lâminas, mas me recusei a vestir a blusa. Porque é assim que eu lido com 99% dos meus problemas: de peito aberto, encarando o vento gelado, esperando para sentir o impacto quando a bala atravessa a pele e faz seu estrago.

É assim que eu sou, e por mais clichê que pareça, não quero ser diferente. Existe algo visceral em enfrentar a vida sem proteções, em construir o meu próprio destino, ainda que ele esteja ancorado em uma areia movediça. E dai? A vida está aí para ser vivida, para ser sentida, para que eu me jogue sem medo de quebrar. Mesmo que as escolhas me tragam dores lancinantes, noites insones e uma sanidade em frangalhos.

Assim como me recuso a me proteger do frio, também me recuso a não criar memórias — ainda que sejam memórias ruins. Porque uma pessoa sem memórias, mesmo as mais dolorosas, é uma pessoa que nunca viveu, que nunca sentiu o calor e o gelo da existência. E eu não quero ser assim. Eu não quero fracassar nisso. Quero carregar em mim as marcas de cada risco que corri, de cada erro que cometi, de cada salto que dei sem saber se haveria um chão para me amparar.
Então, que se fodam as mágoas. Morrerei de saudade, sim, mas nunca de arrependimento por não ter mergulhado de cabeça nesse precipício. Porque viver é isso: é se jogar, é sentir, é permitir que o frio te envolva até que você o transforme em calor.