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Onde me perdi, preciso me encontrar. - Ella B

 Leia escustando : Hard Fought Hallelujah

Às vezes, a gente se perde em um labirinto de emoções que não consegue explicar. É como se o tempo e a solidão criassem um peso invisível, esmagando a alma aos poucos. Tudo ao redor parece acelerar, enquanto dentro de nós a sensação é de estarmos paralisados, em busca de algo que não sabemos bem o que é. A vida não faz sentido, mas a gente tenta seguir, tentando se encontrar em meio ao caos.

Neste momento, me vejo em pedaços, tentando juntar o que restou de mim. Não há glamour nas noites vazias, nem consolo nos erros que cometi. Só existe a dor crua, a necessidade de algo que possa me salvar, mas eu não sei bem o que é. Talvez seja só a necessidade de me ver, de me encontrar em algo real e não em tudo o que me perdi. E, enquanto tento me recompor, só consigo me perguntar: quando foi que eu me perdi de mim mesma?


O relógio marcava 17h, mas o tempo parecia derreter, escorrendo por entre meus dedos, como se a tarde se esticasse e me arrastasse para o escuro que eu ainda tentava ignorar. O céu estava tingido de um alaranjado melancólico, como se o sol estivesse prestes a se despedir de mim, talvez para sempre. A casa... a casa parecia grande demais, vazia demais. Cada canto ecoava um silêncio tão denso que se tornou opressor, um peso esmagador no meu peito, um abraço sufocante que eu não sabia como desatar.

Eu ainda não tinha aprendido a ficar. A aceitar que alguns sábados não precisavam ser preenchidos com barulho, multidão e promessas vazias de diversão. Não sabia descansar, não sabia apenas existir sem me culpar por isso. Culpa por não estar em movimento, culpa por não estar “fazendo alguma coisa”. 

A inquietação veio como um formigamento por debaixo da pele, uma ânsia presa entre os ossos. Um impulso que não sei de onde vem, mas que me obriga a agir. Como se a vida estivesse acontecendo do lado de fora e eu precisasse correr para alcançá-la. Mas toda vez que faço isso, atraso o que já é meu por direito. Como se estivesse colocando obstáculos no meu próprio caminho, me sabotando antes mesmo de chegar aonde deveria estar.Como se eu fosse a maior inimiga de mim mesma, colocando obstáculos no meu caminho antes mesmo de alcançar o que deveria ser meu. Eu sei que estou me sabotando, mas, ainda assim, sigo.

Vesti um vestido preto. Ele caía sobre meu corpo, parecia perfeito, como se tivesse sido feito sob medida para me fazer sentir sexy, para me fazer me sentir desejada, talvez até importante. Mas eu me pergunto: quando foi que eu comecei a medir meu valor pelo que o reflexo no espelho me dizia? Quando foi que comecei a acreditar que ser sexy era a medida do que eu era? Quando foi que perdi a referência de quem eu realmente sou?

A maquiagem veio depois. Era um contorno sutil, olhos marcados, a tentativa de destacar algo que eu talvez nem quisesse destacar. Olhei no espelho, mas não gostei. Não gostei, mas finjo que sim. Finjo que tudo está bem, que estou bem. Talvez eu tenha me acostumado a fingir. Talvez tenha me acostumado a ser aquilo que esperam de mim, a ser o que preciso ser para agradar, para não enfrentar o olhar de quem está vendo o que está por trás.

Gloss cor de uva nos lábios. Era como se isso fosse me fazer brilhar por dentro. Óleo na pele, creme nas pernas, perfume nos pulsos. Tudo milimetricamente pensado, mas sem propósito real, sem um sentido de verdade. As ondas caíam perfeitamente definidas sobre os ombros, como se minha aparência estivesse pronta para um momento que minha alma ainda não acompanhava. Era só eu me arrumando para outra mentira, outra tentativa de preencher o vazio.

Tirei várias fotos. Em cada uma delas, me vi estranha, uma estranha dentro da própria pele. Meu rosto era meu, mas os olhos... ah, os olhos. Eles estavam vazios, pareciam carregar uma saudade que nem eu sabia nomear. Uma saudade de algo que não sabia se já tinha perdido ou se ainda estava buscando. Como se eu estivesse tentando capturar uma versão minha que não existia mais, uma versão que desapareceu no momento em que eu parei de ser quem eu era de verdade.

Olhei o celular. Nada. Nenhuma notificação, nenhum convite. A tela brilhava fria contra meu rosto, refletindo não a imagem de quem eu queria ser, mas a realidade do que eu estava sentindo: solidão. Um silêncio gritante que me fazia questionar o que eu estava fazendo ali, na tentativa desesperada de preencher um vazio que nunca poderia ser preenchido por mais mensagens ou planos que surgissem.

Mandei uma mensagem para uma amiga. Às vezes, eu só queria que alguém preenchesse o buraco dentro de mim, me distraísse do que eu sentia. Ela respondeu mais tarde, um plano qualquer, uma distração temporária. Mas o coração... o coração não se animou. Não dessa vez. Ficar sozinha parecia um destino ainda pior.

Dez minutos da minha casa. 

Três copos de cerveja. Um drink. 

O gosto amargo desceu queimando a garganta, mas não era suficiente para apagar o que ardia dentro de mim. O que realmente me queimava não era o álcool, mas o que estava dentro, o que me consumia por baixo da pele. 

E aí veio o apagão, aquele momento em que você se perde, se desconecta de tudo ao redor. Eu não sabia mais onde estava, mas sabia que não era ali que eu queria estar.

Me vi em um lugar que não combinava comigo, cercada por vozes que não eram minhas, risadas que soavam distantes. Peguei um cigarro de alguém. Não fumo. Nunca fumei. Mas eu precisava sentir alguma coisa. Precisava sentir alguma coisa que me tirasse da apatia. No banheiro, o espelho me devolveu um rosto que não reconheci. 

Os olhos borrados, a expressão perdida. E aí o choro, a sensação de que tudo estava se desmoronando, sem aviso. 

Vômito. O meu corpo expulsando tudo o que eu não queria mais carregar. Mas eu sabia que o álcool não era o responsável.

Era o vazio. 

Um vazio tão imenso que parecia que  sempre esteve ali, apenas esperando um momento de fraqueza para me engolir inteira.

Um grito interno de socorro, ensurdecedor. Mas ninguém ouve.

Limpo a boca, lavo as mãos, tentando apagar os rastros do que sinto. Como se água e sabão pudessem limpar o nó na garganta, o gosto amargo da insatisfação. Como se eu pudesse me apagar junto com tudo isso.

Estou presa. Não por portas, não por paredes, mas por mim mesma. Porque só eu poderia me tirar dali. Só a minha vontade. Só o meu "não". Mas cadê ele? Cadê a força para sair, para escolher outra coisa, para querer outra coisa?

O mundo gira ao meu redor, desfocado, instável. Meu corpo pesa, minha mente grita. A única coisa que consigo sentir com clareza é a vontade esmagadora de chorar.

"Precisa de ajuda?"

A voz vem de algum lugar, mas eu mal consigo reagir. Mais vômito. Mais um resquício de algo que meu corpo rejeita, como se quisesse expulsar tudo que está errado, tudo que não pertence.

Limpo a boca. Limpo o rosto. Mas por dentro, continuo suja.

"Augusto..." sussurrei, sem perceber. Uma memória cortante, um lembrete de algo que eu sabia que não era mais real. Ele não estava ali. Nunca estava. E, pela primeira vez, percebi que ele nunca viria. A solidão me afundou, me engoliu.

Flashs. Alguém filmando. Meu corpo ali, presente, mas minha alma tão distante que chega a doer. A sensação de não pertencer. A certeza de que essa não sou eu.

Nojo. Desgosto.

Subo na moto de um estranho. Não pergunto seu nome. Não pergunto para onde vamos. Não me importo. 

A chuva estava fria e cortante, e eu estava perdida em um mundo que não era meu.

Olho para baixo. Roupa suja. Perfume masculino impregnado na pele, como se não fosse meu próprio corpo, como se eu tivesse sido emprestada para uma noite que nunca deveria ter existido.

O cheiro de cigarro, de álcool, estava impregnado em minha pele, como uma tatuagem de algo que eu não queria ser.

Quero desaparecer.

Mas não posso.

Ben precisa de mim.

Então sorrio para alguém que eu não quero que me toque.

Mas, naquele sorriso, eu não me reconheci.

A náusea volta, mas dessa vez não é pelo álcool. É por mim mesma.

Quero fugir. Quero me apagar.

— Deus, me ajuda… — murmuro, quase sem voz.

Subo na moto como quem corre de um pesadelo. Abro o portão como quem implora por redenção.

— Deus, eu suplico…

A ânsia vem de novo, um aperto no estômago, uma onda de repulsa que não dá trégua.

E então vejo, minha mãe.

Mamãe.

Ela caminhou até mim. Ela me viu.

O cara estranho foi embora, como se nunca tivesse existido. Agora, somos só nós duas.

E pela primeira vez, naquele momento, não precisei fingir.

Ela volta para seu quarto, e assim que a porta se fecha, minhas pernas cedem.

Caio de joelhos, o peso da noite desabando sobre mim de uma vez. O choro vem rasgado, sem controle, sem pausa. Me falta ar. Tento puxá-lo, mas é como se meu próprio corpo se recusasse a me manter aqui.

Me forço a levantar. Um passo. Outro. O suficiente para chegar até a cama.

Deito. Tudo gira. O teto dança em círculos enquanto minha mente se afunda num oceano de desgosto, angústia, vergonha.

Eu estou aqui.

Em meio ao caos, uma parte de mim ainda grita. Não para os outros, não para ninguém, mas para mim mesma. "Onde foi que eu me perdi?" Esse pensamento se repete, mas, ao mesmo tempo, havia algo mais. Algo que começava a se mexer, uma fagulha de algo que ainda poderia me salvar.

A noite não acabou com redenção. Não foi mágica. Não houve um grande "clique". Mas, entre o abismo e a dor, eu senti, pela primeira vez, uma leve ideia de que poderia haver uma saída. Não sabia ainda qual, mas talvez, só talvez, eu não tivesse acabado. E, por mais que eu me perdesse, ainda havia algo em mim que podia ser resgatado.

Eu não sabia quando, nem como, mas sentia que, de algum jeito, eu ainda tinha a chance de voltar. 

E enquanto o sono me levava, uma promessa nasceu dentro de mim.

Preciso me trazer de volta.

Ninguém vai fazer isso por mim.

Amanhã.

Amanhã eu tento de novo.


Ella B