Ele era mais velho, mas não o tipo de "velho" que me faz pensar em aposentadoria. Era o tipo de velho que te faz pensar que você está lidando com alguém que já viu a vida acontecer, sabe as palavras certas e a maneira certa de te fazer pensar que tem um futuro de risadas e café. E eu, que já estava exausta de caras imaturos, comecei a imaginar que ele fosse o cara que me faria esquecer aquele outro... mas claro, a vida tem uma maneira engraçada de quebrar expectativas.
O Instagram virou WhatsApp, e, por algum motivo, eu já estava criando a fantasia de que ele fosse mais do que só uma troca de mensagens. Eu achava que ele poderia ser a resposta, o cara que viraria o meu “felizes para sempre”. E então, ele me levou para o encontro... e foi aí que a história realmente começou.
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Nós estávamos conversando há semanas. E se estou sendo honesta, já estava começando a aceitar que talvez a gente fosse só uma espécie de "amigos virtuais". Sabe, aquele tipo de cara que manda o "bom dia" e "boa noite" como se fosse normal, mas nunca tem coragem de realmente fazer algo. Só existe nas mensagens. Não na vida real. E isso, claramente, estava me deixando meio... entediada.
Era sábado à noite, e eu estava no mercado, fazendo as compras mensais — o tipo de tarefa sem glamour algum, mas que, por alguma razão, você acaba se perdendo entre os corredores e as prateleiras. Ele, claro, estava quieto, como sempre fazia nos finais de semana. Então, quando senti meu celular vibrar no bolso, já estava me preparando para mais uma mensagem vazia. Mas, para minha surpresa, era ele.
"Oi, linda. Tudo bem
Eu sorri sozinha, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Claro que ele ia mandar mensagem agora, quando eu estava completamente despreocupada, sem nem um pingo de maquiagem, no meio de um mercado lotado. Mas enfim. Eu respirei fundo e respondi, quase provocando:
"Muito bem. E por aí?"
E aí veio a voz dele. O áudio chegou como um choque inesperado — aquele tom calmo e despreocupado, mas com uma pontada de algo mais.
– Bem demais. O que acha da gente fazer algo hoje? Tava pensando em beber algo... anima?
E, se antes eu estava meio desapontada, agora a coisa tinha virado uma pequena chama. Ele não estava mais sendo aquele cara morno, tímido no WhatsApp. Ele estava me chamando para sair, sugerindo algo... espontâneo. Eu, que já estava quase desistindo da ideia de sair de casa para qualquer coisa que não fosse uma taça de vinho e Netflix, me vi sorrindo, com a boca ligeiramente seca. Fiquei em silêncio por um segundo, saboreando a ideia.
"Claro, mas estou no mercado ainda. Se puder ser depois das 21:30h, adoraria."
Na minha cabeça, estava me perguntando se ele ia realmente seguir o jogo ou se ia deixar a conversa morrer ali. Mas não. Ele respondeu rápido, como se estivesse esperando por isso o tempo todo:
"Tá ótimo. Me manda a localização quando chegar, e eu te busco lá."
Eu ri baixinho. Bem jogado, pensei. Eu estava com aquele sorriso safado no rosto, o tipo de sorriso que surge quando você sabe que a noite acaba de dar um giro e vai ser mais interessante do que qualquer outra coisa que você tinha planejado. Ele não só queria sair comigo, como já estava fazendo o trabalho de me buscar. E, com isso, ele só me deixava com uma sensação boa... e um pouco de nervoso, que eu definitivamente não estava esperando.
Fiz as compras como quem está fugindo de um incêndio — jogando as coisas no carrinho com a pressa de quem tem um encontro com o destino. Dirigi até em casa ultrapassando mentalmente todos os limites de velocidade (e emocionais). Mal coloquei os pés na cozinha e já larguei metade das sacolas no chão. Salvei apenas os frios como se fossem reféns de uma missão diplomática, o resto das compras que lutasse.
Tomei um banho premium de quarenta minutos. Esfoliação, massagem no couro cabeludo, playlist sensual no último volume. Era praticamente um ritual de preparação para um sacrifício — só que o sacrifício, no caso, era a minha dignidade emocional. Escolhi a dedo um vestidinho vermelho, aquele que abraça o corpo como uma promessa mal-intencionada e deixa as costas nuas, como se dissesse: essa noite, minha pele fala por mim.
Caprichei no perfume — três borrifadas nos pontos estratégicos como me ensinaram no TikTok: nuca, pulsos e atrás dos joelhos, porque vai que. Calcei um saltinho branco (porque a gente nunca sabe onde vai parar), gloss na boca, brilho nos olhos e ele… ele martelando na cabeça como refrão chiclete de música pop ruim.
Minutos depois de me declarar pronta para o Oscar do romance moderno, meu celular vibrou:
– Estou a 2 minutos da sua casa. Está pronta?
Respondi apenas com um “sim” básico. Contida. Porque a última coisa que eu queria era parecer feliz demais. Afinal, quando você conta coisas que normalmente só divide com a sua terapeuta para um homem que conhece há pouco mais de um mês, o primeiro encontro deixa de ser casual e vira quase um evento solene. Tipo abertura de novela das nove com direito a trilha sonora e efeitos especiais.
Ele estacionou na porta da minha casa em um carro branco — o modelo, honestamente, me escapa até hoje. Estava mais preocupada em parecer casualmente deslumbrante. Entrei no carro como quem faz isso todos os dias: sorriso firme, perna cruzada, olhar 70% interessado e 30% “não tô nem aí”.
Ele estava extremamente cheiroso. Daqueles perfumes amadeirados que fazem você considerar tomar decisões precipitadas. Usava calça jeans escura, tênis social (sim, tênis social — não sei explicar, mas nele funcionava), e uma camisa polo branca que contrastava com os cabelos curtos, grisalhos, recém-cortados. Sem barba, sorriso contido, mas com aquele ar de "eu sei o efeito que causo” que imediatamente me deu vontade de rir… e talvez bater.
Achei que havia sorrido demais — daquele jeito que a gente sorri quando se esforça para parecer interessante, mas ainda assim genuína. Só que ele... apenas dirigiu. Nenhum abraço. Nenhuma aproximação. Nenhum “uau, você tá linda”. Só o som do motor e aquele silêncio de quem ainda não decidiu se vai ser encantador ou só mais um idiota com bom perfume.
— Está bem tarde a essa hora... acho que não tem nenhum bar aberto pra gente beber alguma coisa — ele disse, quebrando o silêncio com a entonação de quem mais parecia estar cancelando um compromisso do que começando um encontro.
Olhei para o celular casualmente, como quem não quer brigar com os fatos.
22h30.
Vinte e duas e trinta numa cidade que praticamente vive de bares. Uma cidade onde eu já fechei boteco às três da manhã, sozinha e em salto alto. Sim, existem bares abertos.
— Olha, eu conheço alguns. Se quiser, posso colocar no Waze e a gente vai — sugeri, ainda tentando me agarrar às réstias de entusiasmo que sobreviveram ao banho e ao gloss.
Ele me lançou aquele olhar de leve pena disfarçado de charme e soltou:
— Não... é que eu queria muito te levar em um, mas passei na frente e estava bem cheio. Acho que não seria tão bom pra um primeiro encontro.
Primeiro encontro... cheio... cheio de quê? Gente feliz?
Ele sorriu, um sorriso curto, quase condescendente. E eu respirei fundo, interna, no modo “zen que lute”.
— Entendi — respondi com um sorrisinho mínimo, daqueles que a gente treina no espelho para quando quer parecer compreensiva e nada passivo-agressiva. Spoiler: não funcionou.
— Mas tem um lugar que eu curto demais. Se não se importa, podemos ir lá.
— Pode ser, sem problemas — sorri de volta, agora no modo "modo automático ativado".
Os minutos seguintes pareceram uma eternidade em câmera lenta. Ele começou a puxar conversa, mas não era conversa. Eram perguntas genéricas recicladas de diálogos passados, como se estivesse passando um quiz que ele mesmo não queria prestar atenção. Um "me conta como foi mesmo?" sem interesse real, só pra preencher espaço.
Não tocava música.
Ele mascava chiclete. Alto.
Como se estivesse tentando cronometrar a minha paciência entre uma mastigada e outra.
Eu, do outro lado, fingia concentração na paisagem — que era basicamente poste, muro, e o reflexo pálido do meu rosto na janela. Passei a mão devagar no meu vestidinho, mais por nervo do que por vaidade. Ele ainda cheirava bem — uma fragrância amadeirada que brigava com o incômodo crescente de estar ali.
E eu fiquei quieta.
Não queria forçar nada. Nem assunto, nem simpatia, nem aquele encontro.
Na minha cabeça, o silêncio tinha mais dignidade do que qualquer tentativa de parecer que aquilo estava funcionando.
Chegamos ao tal “lugar especial”. A rua era rodeada de bares e restaurantes, todos iluminados com aquele brilho morno de sábado à noite. Nenhum deles parecia estar sequer com 60% da capacidade, mas ele... estacionou em frente a um local sem nome. Sem letreiro. Sem charme. Sem alma.
— Pode deixar sua bolsa aí se quiser — disse, desligando o carro com uma tranquilidade que me irritou.
Ok. Sem surtos. Respira.
— Obrigada, mas prefiro levar — respondi com um sorriso profissional, aquele que a gente usa quando o cliente tá sendo um porre mas você ainda depende da comissão.
— Certo. Aqui é uma distribuidora de bebidas de um amigo meu. Ele alugou faz pouco tempo. Já vim algumas vezes... fazem uns drinks, vai ser legal.
Distribuidora.
Repeti mentalmente como se fosse um insulto em código Morse. Quase que involuntariamente, passei a mão no nariz — gesto automático quando minha paciência começa a arder. Ele, claro, não notou. Porque não me conhecia. E, mais grave ainda: parecia não querer conhecer.
Desci do carro e, quando olhei em volta, ele já tinha disparado na direção do lugar. Nenhuma espera. Nenhuma mão estendida. Nenhuma gentileza.
Suspirei. E fui.
Era, de fato, uma distribuidora. Daquelas com chão de cimento queimado e cadeiras de plástico que pareciam ter vindo de cinco churrascos diferentes. Um combo de azul, vermelho e branco — o mais longe possível da paleta romântica de um primeiro encontro.
Três caras estavam sentados em uma mesa. E uma mulher, jogada num canto, digitava algo no celular com a cara de quem não queria estar ali. Eu, sem saber exatamente o protocolo social daquela instalação clandestina de desilusão, cumprimentei todos com um sorriso desconfortável, mesmo não tendo sido apresentada a ninguém. O mínimo de educação, né? Mesmo cercada de gente que parecia ter esquecido o conceito.
Enquanto isso, ele estava no balcão, debruçado com os cotovelos apoiados como se aquele fosse o seu habitat natural. Eu? De pé. Sem cadeira. Sem drink. Sem dignidade.
“Não é possível,” pensei. “A gente deu tão certo até aqui… ele não pode ser assim.”
Mas era.
E estava sendo.
Foi então que ele fez o impensável:
Assoviou.
Sim.
Assoviou.
Eu posso ter revirado os olhos. Talvez só mentalmente. Talvez com todo o meu corpo.
Fui até ele, pisando com cautela — não por elegância, mas porque o chão era meio grudento e o salto branco podia não sobreviver.
— Eu vi que tu bebe essa cerveja, pode ser? — disse, segurando uma garrafa já aberta.
Era da marca que eu costumo beber. Ponto pra ele.
— Claro — assenti com a cabeça, já aceitando que a minha noite de romance tinha virado uma sketch de stand-up.
Ele me entregou a cerveja como quem entrega um panfleto — sem emoção, sem contexto, sem conexão. Dei um gole direto, sem cerimônia. Confesso: por um segundo considerei virar a garrafa inteira como um shot de fuga emocional, mas me contive. Ele, no máximo da sua hospitalidade, arrumou uma cadeira entre dois dos seus amigos e se sentou numa distância que só seria justificável se fôssemos um casal em crise no oitavo ano de casamento.
As conversas começaram... mas nenhuma comigo. Nada. Nem uma tentativa tímida. Pensei: talvez seja introvertido. Talvez precise de tempo. Mas não. Ele só era mal educado mesmo. Quando tentava falar, sequer concluía um pensamento. Parecia um rádio com interferência. A única coisa que ele mantinha com consistência era minha cerveja cheia, como se isso bastasse. Spoiler: não basta. Meus amigos fazem isso e ainda me escutam quando eu falo do meu drama com o Mercúrio retrógrado.
As conversas começaram — entre eles. Eu? Um enfeite. Uma decoração opcional. Nenhum dos assuntos vinha na minha direção. Até que um dos amigos dele, o do boné vermelho e ego inflado, olhou pro meu vestido e soltou, rindo:
— Ihhh... vermelho assim? Deve ser comunista. Cuidado, hein, Calahan!
Eles riram como se tivessem inventado o stand-up político. Ele riu também. Eu? Sorri educadamente e bebi outro gole. Meus dedos apertaram a garrafa como quem segura o orgulho.
Tentei puxar assunto com a única outra mulher da mesa, mas ela me deu aquele sorriso amarelo de quem quer manter a energia baixa — tipo o Wi-Fi em bar de praia.
Olhei o celular: 22h54. Só isso? Parecia que eu estava ali desde 2017.
O som ambiente era inexistente. Só o estalo do chiclete que ele mascava alto demais e o eco dos papos que não me incluíam. Ele falava de promoções de faca. Uma em especial: “era R$150 e saiu por R$40, acredita?” Eu queria responder que a única coisa afiada ali era minha vontade de ir embora.
Às vezes, ele me olhava e perguntava se eu estava bem, mas com a mesma emoção de quem pergunta o valor da gasolina. Sem encarar, sem real interesse. Era só protocolo. Como dar "bom dia" pro porteiro e já estar no elevador.
Foi então que lembrei de algo que ele me disse no começo: que os dates dele nunca fluíam. Que parecia sempre faltar alguma coisa. Pois é... faltava ele mesmo.
Com um desconforto crescendo dentro de mim como bolha em salto novo, respirei fundo, encostei no braço dele — pela primeira vez em quase duas horas — e perguntei:
— Tem um banheiro por aqui?
E foi só então que ele me olhou de verdade.
— Tem sim, quer que eu te acompanhe? — ele perguntou, finalmente.
Oh, que milagre… Vai ver a ficha tava caindo. Talvez ele tivesse percebido que o date tava mais seco que pão de ontem. Ele perguntou sobre o banheiro pro amigo da piada política infame, que explicou:
— O dos clientes tá interditado, mas lá dentro, mais afastado, dá pra ir sim.
Ótimo. Pensei: “Agora vai. Agora ele se aproxima, me puxa pela cintura, faz uma piadinha sutil, talvez me beije como quem diz: ‘confia em mim’.”
Caminhei atrás dele, só que nem uma mão estendida, um toque, um gesto humano mínimo. Nada. Paramos na frente de uma porta cinza sem graça.
— Pode ir, é aqui — ele disse, abrindo espaço com a mão como um manobrista de emoções.
Sério? Era isso?
Eu nem precisava usar o banheiro. Mas entrei assim mesmo. Fechei a porta e me olhei no espelho. Cinco minutos. Me encarando. Tentando achar ali dentro de mim a mulher que acreditou que esse date podia ser o início de alguma coisa. Dei uma ajeitada no gloss, deixei ele esperar. Pequenas vinganças de uma rainha subestimada.
Quando saí, lá estava ele. No celular. Como se eu tivesse ido apenas pegar gelo.
Passou por mim com o carisma de uma porta de elevador e foi ele mesmo usar o banheiro. Por um segundo pensei em ir embora. Mas fiquei. Encostei na parede, respirei fundo e decidi: "Última chance. Vai que ele desperta."
Quando ele voltou, joguei meu charme mais casual:
— E aí? — com um sorrisinho torto, daqueles que só uso quando tô com vontade de fazer besteira.
Ele me olhou com uma expressão confusa, quase uma interrogação ambulante.
— Vamos voltar, a cerveja vai esquentar.
Eu ri. Uma risada fake, envernizada de frustração e desejo de teletransporte. A risada pareceu funcionar, porque ele se aproximou. Cheiroso. Bonito. E tão vazio quanto o bar onde a gente devia estar.
— Algum problema? — ele perguntou, finalmente me encarando. A primeira encarada em horas.
Sim, o problema era você, meu bem.
Mas balancei a cabeça com minha melhor cara de “me beija logo ou me deixa ir embora em paz”. Ele me olhou. Virou as costas. E foi.
Eu fiquei ali parada por dois segundos e só pensei:
Ok. Desisto.
Ainda aguentei uns bons minutos de conversas tão desinteressantes quanto documentário de pregos enferrujando. Eram perguntas genéricas, do tipo que a gente responde no automático — um “tá tudo bem, sim” seguido de um gole amargo de cerveja quente. Calahan soltava um "tá curtindo?" aqui, um "tá confortável?" ali... e eu fingia que sim, com o sorriso daquelas namoradas que emburram no canto do sofá, mas dizem que “tá tudo certo, amor.” Só que a minha bateria emocional já tava piscando vermelho fazia tempo.
Saquei o celular com toda a discrição de quem quer ser pega — abri o aplicativo do Uber. Porque sinceramente? Nem a pau que eu ia dar mais uma chance. O cara mal trocou duas palavras comigo desde que sentei naquela maldita cadeira plástica. Nem pra disfarçar, sabe?
Mas, claro, pra meu azar, ele percebeu o movimento.
— Linda, eu te levo. Não sabia que queria ir — disse, com uma cara de pau que merecia ser tombada como patrimônio da falta de noção.
Respirei fundo.
— É, acho melhor. Já tá tarde e, sinceramente, eu não tô fazendo nada aqui. — minha voz saiu mais firme do que eu esperava.
Ele riu. Riu. Olhou ao redor como se a culpa fosse minha.
— Como assim, nada? Estamos aqui com uns amigos...
Os “amigos” estavam cada um na sua bolha, rindo de piadas que só faziam sentido depois da quarta cerveja. Ninguém me dirigiu a palavra desde que sentei. Nenhum olho encontrou o meu. Era como se eu fosse a acompanhante do motorista do Uber.
— E é a primeira vez que a gente se vê — continuei, agora sem maquiagem nem no tom da voz. — A gente nem conversou, Calahan. O único momento em que estivemos sozinhos foi no caminho do banheiro, e ainda assim... constrangedor. Achei que seria diferente. Eu vou embora.
Levantei com a classe de quem não derrama nem a última gota de dignidade, me despedi com um sorriso forjado em auto-respeito, e caminhei até onde ele havia estacionado o carro — não como um convite, mas como uma tentativa de esperar o Uber longe daquele caos sonoro e emocional.
Bufei baixinho enquanto acompanhava o carrinho azul se aproximando no mapa. Foi quando ouvi passos atrás de mim.
— Entra no carro. Eu vou te levar. — disse ele, com a voz um tom acima do aceitável.
Me virei devagar, com o olhar descrente de quem tá prestes a escrever sobre isso numa crônica.
— Não. Eu não vou entrar. — firme. Fria. Fina.
— O que foi, hein? Quando a gente fosse embora, eu ia te levar num lugar mais tranquilo. Pra gente se conhecer melhor... — falou como se isso tivesse sido combinado, como se o roteiro só tivesse atrasado.
Ri de nervoso, sacudindo a cabeça.
— Calahan... a gente tá aqui desde 22h30. Já são quase 1 da manhã. Em nenhum momento você demonstrou o mínimo de interesse. Nenhum esforço. Nenhum toque. A gente se fala faz mais de um mês... e você me trouxe pra uma distribuidora com amigos que nem me olharam na cara. E agora quer me conhecer melhor?
Ele tentou se aproximar. E quando encostou no meu braço — como se isso fosse virar o jogo — senti o sangue ferver.
Ele segurou meu braço com uma falsa doçura disfarçada de autoridade. Aquele toque não era carinhoso — era o gesto de quem queria retomar o controle que nunca teve.
— Entra no carro, eu vou te levar — ele repetiu, como se sua vontade fosse suficiente pra me fazer obedecer.
— Sabe... — tirei a mão dele do meu braço com calma, sem pressa, como quem retira um brinco antes de uma briga elegante. Então me aproximei, ficando tão perto que pude ver o reflexo das luzes da rua nos olhos dele, e sentir o calor morno da sua surpresa.
Ele era alto, quase dois metros. Mas naquele momento, eu era gigante.
— Eu acabei de entender por que os seus dates nunca dão certo, Calahan... e por que você continua sozinho, mesmo depois de tantos meses dizendo que “só falta fluir com alguém”. — minha voz era um sussurro venenoso, um tiro silenciado. — Você mal consegue concluir uma frase inteira. Passou a noite toda agindo como se eu fosse invisível. E agora quer o quê? Me levar pra um quarto de motel e ver no que dá? E o pior? Acha que um olhar e um carro bacana são suficientes pra alguém como eu. Acorda. Você não me levou pra um encontro, Calahan. Você me levou pra um intervalo de tédio entre a sua vida medíocre e seus amigos sem graça.
Sorri. Um sorriso de nojo e libertação.
Dei um passo atrás, ajeitei a alça do meu vestido vermelho que ainda cheirava a chance desperdiçada e finalizei:
— Adeus, Calahan.
Virei as costas sem esperar resposta. Ele ficou ali, estático, como se tivesse esquecido como formar uma frase — o que, ironicamente, fez jus à noite inteira. Pela primeira vez, eu não quis escutar, entender, nem salvar nada. Aquilo não era o começo de uma história mal contada. Era o fim — e eu já tinha tirado a maquiagem emocional fazia tempo.
O Uber chegou, e eu entrei descalça, mas em paz. Cansada? Um pouco. Chateada? Nem de longe. A verdade é que dates ruins são como sandálias de plástico num verão de 40 graus: você não esquece que existe coisa melhor por aí.
Enquanto o carro ganhava a rua vazia e os postes passavam como lembranças que já não importam, eu deixei escapar um sorriso. Não por Calahan — ele foi só mais um plot twist desnecessário. Mas por mim. Porque mesmo entre cervejas mornas, cadeiras de plástico e silêncios ensurdecedores, eu continuo sendo a protagonista. E protagonistas sempre sabem quando sair de cena.
Bom, se ele foi o encontro mais morno do mês, o universo já estava afiando o próximo.
Mas, como todo bom plot twist, essa história fica pra outro capítulo. Porque se tem uma coisa que eu aprendi é que, por mais que a gente queira um final feliz, a vida, ah, a vida... sempre tem algo mais na manga.
E cá entre nós, as coisas estão longe de acabar. Como diria Carrie Bradshaw, “O que aconteceu em um barzinho com cadeira de plástico não define quem eu sou. Mas, definitivamente, vai ser uma boa história para o próximo drink.”