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Cartas para Vica, por Augusto Castillo


Querida Vica,

Eu te amei como um incêndio devasta uma floresta.
Rápido, voraz, incontrolável. Um amor que queimou tudo em seu caminho, que se alimentou do próprio desejo até não restar mais nada além de cinzas.
E agora, sou só fuligem do que fomos.
Espalhada pelo vento, dissolvida no tempo, assombrando tudo o que toca—porque mesmo que o fogo tenha se apagado, ainda há vestígios dele em mim. Ainda ardo. Ainda sou ruína.
Quero que você entenda. Quero que leia isso e saiba que não foi mentira. Nada foi encenação. Nenhuma palavra foi dita apenas para te manter aqui.
Eu quis.
Eu quis cada segundo, cada riso espontâneo, cada arrepio que sua pele causava na minha. Eu quis o calor dos seus dedos entrelaçados nos meus, a sensação absurda de sermos dois estranhos que, por alguma ironia do destino, se encaixaram perfeitamente—mesmo quando tudo dizia que nunca deveríamos ter nos encontrado.
Você me deu um amor sem amarras, sem correntes—e isso me assustou. Porque eu sou feito de grades, de muros erguidos com pressa, de fugas antes mesmo de alguém tentar me alcançar. Sempre soube escapar antes que pudessem me segurar. Antes que pudessem me amar.
Mas então veio você. E não tentou me prender. Só ficou. Com as mãos abertas, sem exigências, sem condições. Você me deu liberdade—e tudo o que eu quis foi me prender a você.
Mas como se segura algo que nunca se teve? Como se toca um sentimento tão imenso sem destruí-lo no processo?
Você ria, e o som da sua voz era como um convite para acreditar que o amor podia ser simples. Mas ele nunca foi pra mim. Nunca soube amar sem medo, sem pesos, sem a certeza de que, em algum momento, tudo desmoronaria.
Porque eu nunca fui simples. Eu sou um labirinto de inseguranças, de portas trancadas e cicatrizes que ninguém vê. E você... você era a única pessoa que talvez soubesse o caminho para sair.
Me perdoa.
Me perdoa por te puxar para perto como se minha vida dependesse disso, só para depois te empurrar para longe como se o amor fosse um fardo pesado demais para eu carregar.
Por te fazer acreditar que eu era um porto seguro e, logo depois, me tornar tempestade. Eu queria ser abrigo, juro que queria. Mas só sei ser mar revolto, um oceano inquieto que afoga antes de ensinar a nadar.
Eu quis te manter comigo, sequestrar seu coração e esconder no único lugar onde eu ainda acreditava que era seguro—dentro do meu peito. Mas sou eu quem está sempre fugindo. E agora, sem você, percebo que talvez estivesse correndo na direção errada esse tempo todo.
Porque a maior prisão que já conheci foi viver sem você. E a única liberdade que ainda desejo… é a de voltar.
Eu sabia que ia te machucar.
Desde o começo. Desde o primeiro segundo em que te puxei pra perto, sabendo que, no fundo, não tinha intenção nenhuma de te manter. Eu te observei, te senti, e soube que você era a cura que eu nunca pedi, mas também a dor que eu estava disposto a te causar.
Desde o primeiro dia em que dormimos juntos, quando eu soube, no fundo, que, se eu ficasse, você poderia me curar—mas, mais importante, me destruir. E isso me excitou.
Eu sabia o que ia acontecer.
Eu sabia que você iria se entregar, iria confiar, e ia esperar que eu fosse o que você precisava. E eu te devastei, porque eu sou assim: sou o buraco que você tenta preencher com o que não cabe. Eu sou o fogo que se acende e se apaga quando menos se espera. Eu te queimei, e eu gostei disso.
Mas me escuta.
O arrependimento que você espera, o que talvez você pense que eu sinta, existe. Mas ele é cruel, egoísta. Não é nobre, não é bonito. Eu me arrependo porque sinto sua falta, porque queria ter sido diferente, porque agora vejo o que perdi. Mas me arrependo tarde demais.
Eu fui.
Rápido, voraz, incontrolável.
Me despedi de você antes mesmo de ir. Você sentiu, eu sei que sentiu. Como cada beijo foi ficando mais curto, como cada toque perdeu a urgência, como a minha voz—que antes te envolvia—agora carregava um peso que eu não podia mais esconder.
O amor que antes transbordava em cada palavra, em cada gesto, foi se dissipando. Gota a gota, até que não restou mais nada.
E você sabia. Você sabia antes de mim, porque eu sempre fui o tipo de pessoa que deixa o que ama se perder. Eu nunca soube ficar. Eu nunca soube ser quem você precisava. Eu sabia que estava te destruindo, mas isso nunca me fez parar. Porque, no fundo, eu também não me suportava.
E agora, o que restou de mim em você?
Um eco? Uma cicatriz que te arrasta, marcada na alma, imortal? Ou será o gosto amargo da saudade misturada com o abandono, que não te larga, que te consome e te faz engolir o vazio que eu deixei?
Eu sei, eu sei que não sou lembrança suave. Eu sou o nó na garganta, a dor latejante, a ferida que nunca cicatriza. Sou a tempestade que te rasga por dentro, a sombra que te engole e te faz questionar se algum dia você foi inteira.
E você, ainda vai me carregar assim? Vai carregar esse peso, essa dor, essa porra de lembrança que eu te forcei a viver? Ou vai convencer a si mesma que não houve amor, que não houve nada, que o que restou foi apenas a mentira que eu te contei até acreditar nela também?
Se eu pudesse ser outro, se eu pudesse ser menos quebrado, eu teria ficado. Eu teria sido o homem que você merecia, aquele que seguraria sua mão e te daria o que você sempre procurou. Eu teria te amado de verdade, sem medo, sem fuga. Mas eu não sou esse homem.
Eu sou a falha que você nunca pediu, sou os pedaços despedaçados de algo que deveria ser inteiro. Eu sou o erro que você tentou consertar, a mentira que você acreditou, e agora sou só o arrependimento que não pode voltar atrás.
Eu te destruí porque eu sou isso. Sou um homem que não sabe ser, um homem que se afasta quando o amor parece real demais, porque eu não sei lidar com isso. Eu sei que poderia ter sido diferente, poderia ter sido melhor. Eu sei, e isso me mata—porque, no fim, a gente nunca vai saber o que poderia ter sido.
E eu não posso voltar para você.
Eu sou só a dor que você vai carregar, e talvez isso seja o que eu sou: um erro que você já não precisa mais carregar.

Augusto Castillo