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Nenhuma de nós esta certa.

 

Tem dias em que eu sinto que minha cabeça é uma arena sangrenta.
Duas versões de mim se encaram como gladiadoras, afiando as armas enquanto eu tento, em vão, pedir silêncio.
Mas silêncio não existe aqui dentro.
O que existe é guerra. É sangue. É a sensação de que, não importa quem vença, eu sempre perco um pedaço de mim no processo.
E, ainda assim, eu deixo que elas lutem. Porque talvez, no fundo, eu precise da dor para lembrar que estou viva.

Leia ouvindo : Bury a friend - Billie Eilish

Existem duas versões de mim.
Elas moram dentro da minha cabeça e nunca param de brigar.

Uma é fria, racional, quase cruel.
A outra... a outra é emoção pulsando, um coração que insiste em apanhar só pra provar que ainda bate.

A racional prevê a queda antes mesmo de eu dar o primeiro passo. Ela sussurra como quem me mostra um mapa com todas as armadilhas marcadas em vermelho.
"Você vai se machucar. De novo. É óbvio. Corre. Some. Fecha a porta antes que seja tarde. Você já sabe o final dessa história."
A voz dela é ríspida, dura demais. Soa como uma mãe cansada, que já não tem paciência pra me ver tropeçando sempre no mesmo lugar.

A emocional, coitada, não sabe fazer silêncio.
"Não é assim... eu não vou me machucar. Eu preciso sentir. Não adianta se trancar, eu não sei ficar sozinha. Eu quero acreditar. Eu sinto que dessa vez é diferente, mesmo que doa, mesmo que tudo imploda, eu preciso ir até o fim. Eu não consigo parar. Você entende? Eu não consigo."

Ela chora enquanto fala. Sua voz falha como quem implora por colo, como quem precisa que alguém diga: vai ficar tudo bem. E talvez não fique. Talvez nunca fique. Mas ela precisa acreditar que sim.

E então a racional perde a paciência, corta como faca:
"Você confunde coragem com burrice. Acha bonito sangrar. Você se apega ao que nem existe, insiste em encontrar poesia em homens quebrados, como se você tivesse o dom de consertar gente. Não tem. Você não entende? Você não vai salvar ninguém, só vai se perder junto."

A emocional se encolhe, mas não recua.
"Eu não quero salvar ninguém. Eu só quero amar. Mesmo errado, mesmo torto. Se eu tiver que me perder, que seja no que sinto. Porque eu prefiro uma ferida verdadeira a uma vida anestesiada. Você não entende porque você não sente. Você se protege tanto que já esqueceu como é se arriscar."

E eu, do lado de fora, fico ouvindo as duas.
Meu peito dói como se estivesse sendo puxado em direções opostas. Quero gritar junto com uma, chorar junto com a outra.
Eu sorrio — um sorriso triste, cansado, quase esperançoso — e ao mesmo tempo sinto os olhos marejados, porque sei que nenhuma das duas vai ceder.

Elas são opostas, mas são eu.
E eu me pergunto: quem de nós está certa?
Ou será que nenhuma está, e o erro é achar que existe certo quando o coração insiste em fazer da dor uma escolha?