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Mostrando postagens de outubro, 2025

O eco do que fomos - Ella Belizzato

Hoje, por um capricho da memória, quis escrever-lhe. Não uma vez, nem duas  tantas, que perdi o número. Mas a razão, essa velha conselheira cansada, pôs-se entre mim e o impulso, e nada foi dito. Pensei nele ao perceber que não almoçara. Era ele quem me lembrava dessas miudezas  de comer, de existir. Mais tarde, quando o trabalho me pareceu inútil, senti o mesmo ímpeto: ouvir de novo aquele “vai passar” que, vindo dele, fazia o mundo parecer menos pesado. Ao cair da tarde, quase cedi. O sol escondia-se por trás dos prédios, e eu quase disse o que me doía: que menti, que sentir falta é uma forma discreta de morrer, que aceitaria migalhas, desde que viessem de sua mão. Mas calei-me. Há dignidades que nascem do silêncio  ou da covardia, não sei bem. Abri nossa conversa um sem-número de vezes. Li as palavras antigas como quem consulta um oráculo que já não responde. A blusa dele repousa sobre a cadeira, testemunha muda de uma ausência que se prolonga. Não a devolvi. Talvez po...